12/31/2005

o último post deste Ano - the last post of this Year

Pascal Renoux

Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


Arvid Strazds!by

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.---
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

José Régio

12/30/2005

BOM ANO NOVO!

The Mask of Love - yuroz.

Que 2006 seja um ano de maior Igualdade Paz Amor e Fertilidade !

Obrigada a todos os que passam por aqui ou passaram pelos outros espaços que fui criando.

Um Abraço Fraterno!

meu Amor

Marissa at fairfieldartmuseum

de que estranha janela me olharás agora se sempre o prometeste?

diz-me, há no éter um lugar para os espíritos ausentes de um corpo feito fumo ou chão ou árvore já, espreitar quem como eu, teve a má sorte de não poder partir ao tempo de quem ama?


Sheila .fairfieldartmuseum

não vais poder orgulhar-te de mim. não serei a célebre mulher que imaginaste. não sei sê-lo e muito menos quero.

quero passar pelo mundo como nuvem que não oculte o sol para ninguém, até chegar a hora de me misturar contigo seja lá como ou onde for.

o sangue que te matou deixou manchas na minha vida toda. difícil é para mim chamar-lhes rosas. o vermelho secou. é já castanho seco. cor de outono meio adivinhado só.

amor, eu quero um filho se fico nesta vida. para isso, terei de partir acompanhada nessa aventura de que não prescindo.

mas levo-te comigo.

amor, vela por mim.

12/29/2005

cristalizadas as lágrimas

by Ryszard Tychawski

Maria encanta os homens com o olhar. seria o brilho do sal? a luz da dor?
não parece importar-se com porquês. a ironia cresce. seja por defesa ou amargura.

Dohiyi Mir

está num mundo diferente. é a rainha negra e, não pode perder.

- és tão bonita! os olhos...

- já sei. poupa-te.
... a boca sensual, a voz erótica.

- tu és assim porquê?

- assim como?

- ácida, agreste.

- não, só te poupei metade do discurso habitual. salvei-te parte da vida neste instante. a vida é um minuto e trinta segundos, acabam de passar.

vraahojskole.dk

deveria essa atitude afastar os jovens que a procuravam, mas o círculo de olhares de gula alargava-se mais.

volta à escrita manual

posto que desce de novo ao povoado, como ela refere.

at b blackant

passa quase sem ver por toda a gente. despercebida só mesmo por ela. o pouco sucesso conseguido, atrai agora os olhos dos alheios à sua realidade.

Maria não quereria que assim fosse. veste de negro não porque acredite que isso exprima mais dor. só porque para ela a vida é agora a preto e branco, quase sempre. até o pôr de sol perdeu a cor.


Mattana

- deram-me rosas vermelhas no meu aniversário como fazias tu. eram rosas. mas aonde o perfume e o encarnado que me despertava mais para a paixão?

tão sôfrego na hora de partir! levaste tudo excepto a minha memória e... a mim.

fomos amigos amantes mas antes disso, gémeos na vontade do cosmos que, um demónio qualquer contrariou, alterando a nossa hora e ventre, para nascer.

entwined by B Read

- chegaste-me tão tarde!

sim, eu sei. mas cheguei. conheci-te e a minha alma não perdoa o roubo de levarem a tua em separado. mas os astros cintilam indiferentes à minha dura ausência de perdão.

Mary at fairfieldartmuseum


ao pó voltaste e sobre o pó me dobro

num último rictual do Amor possível

o de transformar a minha carne

na pedra que te cobre e aquecê-la

até um orgasmo de silêncio e sombra


em estátua me tornei

de hora em diante sou só a que não é

a outra está contigo onde estiveres.

sobre a terra, meu berço, o juro hoje:

ninguém terá para si complectamente

o que por infâmia da morte não foi teu.

12/28/2005

fiz o espectáculo. com os olhos fixos

na insuportável luz do projector. abstraí de tudo excepto do conteúdo do poema. longo longo. vieram buscar-me ao palco. esqueci o público, não ouvi os aplausos. o meu poema fora só para ti.
para ti, folha de outono flutuando ao sabor dum vento intemporal.


Annette Bottaro-Walklet


recebeste, ouviste aquele difícil poema de amor?

saí para a rua sem voltar ao palco. lá fora ouvia ainda as palmas de quem estranhou a intensidade posta no dizer.
querido público! nunca sabe mais que aquilo que mostramos. suportaria se o soubesse, nessa noite?

Keith Levit Photography

habituada a que fosses a minha ligação à terra. acostumada a ti com firmeza de tronco renovável a cada outono e invernia, não sei agora aonde me agarrar, no meio do vendaval da minha alma.

vou ter de reaprender a viver.

sem ti.

12/27/2005

nas veredas, os melros.


Jerry Uelsmann


nos caminhos já corridos só as aves

vêm tocar-me de leve a boca sequiosa de ti

como as treinaste? como lhes passaste

esse toque de pele e esse odor que é teu?


aonde as vejo paro, confundo-me

com a terra ou o ar que me cerca

para que me vejam e recordem

não vá uma enganar-se e percorrer

outro corpo carente do passado

que não tenha o teu nome escrito nele.

vê-me, de onde estás, ser trágica

see me by Irina F

sem ser actriz agora. e com o grito silenciado pelo pudor de mim, que não me sei mostrar com o que sinto.

elas, pela primeira vez, calaram os conselhos. parecem perceber. parecem. que tiveram a sorte de nascer com limites que lhes dão dores a condizer, pequenas, medíocres, adocicadas como novelas de escritor barato. felizes que elas são! invejo-as.

não! não invejo nenhum sentimento apoucado. bebo a taça até ao fim. ao fim de quê? de mim?


Ben Philippi

tentação forte de me deixar ficar. criar raízes, como uma trepadeira, que me levem sozinhas aonde não conseguirei chegar de novo, a ti.

- sai. não podes ficar assim. há o espectáculo. ele ia querer que fosses...

de que falam? é comigo, isso sei. como sei que apodrecerei nesta cidade que me afastou de ti como fosso de castelo. e onde a água que corre junto ao cais será de qualquer côr, menos azul.


hipnoz

12/26/2005

- não posso, minha querida, não posso

basta ver esse teu olhar confiante para não conseguir. não me perdoaria.

pure by sophie thouvenin

e assim me mantiveste, como querias, pura. e eu perdoei-te?

não. não nesse tempo. não entendi. não quis, não consegui.

cheguei a ser cruel. falei de outros amores. outros amores?! tive-os alguma vez?

querias que estivesse entre a minha geração e obedeci. obedecer... palavra cáustica em boca minha e tu sabias.


nostalgia de Pedro Moreira

o teu silêncio o teu fitar as águas sem me olhar. mas eu não despegava os olhos do teu rosto. tinha raiva de ti, não tinha pena.

- foi você que quis que fosse assim. agora está livre de problemas, acabou o tabu.

e como vai de amantes novas?

- cala-te, por favor.

num murmúrio dorido. e no entanto eu sabia, sentia que as havia e tinha um ciúme de fazer sofrer a pedra mais antiga.

- é com ela, não é? a advogada actriz?

respondeu-me o ruído do mar enquanto olhávamos o bugio, esperando. esperando o quê? que nos prendia ainda um ao outro nesse tempo? que força nos impedia de terminar de vez os encontros a sós?

já ninguém perguntava aonde eu ia. não tinha de mentir. nunca gostei.

tantas horas de espera. por mim. tuas. porquê amor perdido? porquê? diz!


at Cepolina

vou contar-te uma coisa, só a ti. sabes o que aprendi? que até as pedras choram.

papéis iguais ao seu sentir de dor

surgem agora mais dispersos ainda. descuidados. atirados para a arca como à pressa. mais para os esconder de outros olhares que para os manter vivos ou ordenar.

Gabriele Rigon

terá vestido luto para sempre ou era a mulher estranha por feitio? a sorrir não voltou por largo tempo.

Kiara

- todos deitámos uma rosa na campa. ela deitou uma também por ti.

- sim? foi simpática...

os olhos baixos. pensava na rosa que ele merecia. a mais difílcil de encontrar que sobre a terra houvesse.


bret culp

a máquina onde escreve é diferente. refere a antiga, comercial, que o pai lhe dera, com saudade. não explica o que lhe aconteceu, no entanto.

é já outono. terá caído no chão de um esquecimento, excepto o dela, como uma folha morta.

morta se sente esta mulher por dentro.

- julgava o amor morto e vejo-o agora vivo. redivivo.

12/25/2005

solo sagrado. e o solo que sou. que lhe farei sem ti?

at Laura Chenoweth photography

há frio lá fora e luz também.

by arjunrc

e acabo acreditando: nasceu para mim também.

por muita muita dor que esta noite me traga, obrigada, Senhor Jesus, por teres nascido.

12/24/2005

mas houve um Homem: Jesus, da Galileia.

12/22/2005

até no vida de papel, é Natal.

jeff berner

igualdade paz fraternidade
e nada nada nada na vontade?

queremos chegar aonde? a que final?
nós predadores. nós predadores de nós.
venha a nós o que é nosso e o allheio?
se não vier por bem, virá a mal.

raio de imaginação que transbordou
e foi cair no lixo dos excessos
tal como as sobras ricas de Natal.

há luz e côr no mundo, nasceu Cristo!

deixem-no em paz, se a Fé já se vos foi
que Ele tem tudo menos a ver com isto.

que triste ficaria se voltasse
e visse o que fazemos do seu aniversário!

vivam as renas e o velhinho barbudo.

Votos de Boa Sorte, bem sinceros!


Por hoje disse tudo.

12/20/2005

cai o pano.

Dresden

Epílogo - A Harpa

Anna Padalis


Olha Senhor o indigno cantor que tu fadaste
e se não sabe erguer à sua própria altura.
Virgem das minhas mãos a harpa acende
novos brilhos no sol, traduz em côr
a saudade dos sons que não desprende.

Tu a fizeste, Deus, para os meus dedos
A glória do teu gesto criador tu a quiseste
partilhar na glória quase igual de o entender.

E foi com teu amor que retesaste as cordas
com teu amor as afinaste e me chamaste
à tarefa sublime de tangê-las.

E eu sinto o frémito, Senhor, sinto o sopro
que tu me inoculaste ao dar-me a tua benção.
Dento de mim é som o eco longo
de uma nota sem fim e sem começo.

Mas só cá dentro o frémito ressoa
que não consegue a minha mão que o lodo fez
e o lodo maculou, passar à harpa a Grande Vibração.

Vem lavar-me, Senhor, no azul do mar
filtra a minha impureza na limpidez
do teu olhar, a luz clara que entornas
pelos montes da minha serra verde.

Deixa outro cantar meu póprio canto.
E seja eu somente assim purificado
e liberto de mim, enfim mais uma corda
na harpa que me tinhas destinado.

Ai o cantor indigno que fadaste!
Ai que a grande vibração, se o não redimes
estéril morrerá!

Que eu seja apenas som que um outro cante
E na renúncia de mim, igual a mim
Um dia me alevante.

harpa Rikki Bunder

Poema A Harpa de Sebastião da Gama.

(citado de memória).

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Fim da primeira história de papel.

o caminho? perdi-o. sigo as aves...

wib frederick

o negro. a morte o luto o rio. existe um rio.

sangue. sangrou-te a alma. rosas rosas. encarnadas. sangue antes de coagular. levei-tas. tarde demais. a morte chegou antes, de encarnado.




a viúva. as mulheres. o coro grego em volta. o abraço de negro.

Kollwitz

- obrigada, Maria! o meu marido morreu feliz porque a viu. estava a assobiar e a ler o livro que lhe ofereceu. nem queria companhia. estava feliz, há muito tempo que não o via assim... obrigada Maria.

morreu!

sangue de ti em mim. ninguém morre feliz.


fotosearch


a taça. o sangue. eis o meu sangue. bebei! mas de quem é a cruz? para quem chegou a hora?


blood red sky T. Seaver


inundaste o nosso pôr de sol. tem outra cor. encarnado. sangue. o teu.

o teu filho. a outra. a velha que te destapa o rosto por engano. tão sereno, Amor! num sono de criança.

- não estás bem, Maria. vai para casa. ponho uma flor por ti.

- já não temos o Mestre, Maria!


esvai-se o sangue no rio. existe ainda um rio. o nosso rio.

o poema incomplecto. no teu poema qual era o verso meu? ou está em branco?

Amor! estou a afundar-me...

Wszystkie Zdjecia

em ti.

intervalo

12/19/2005

o telefone. a notícia esperada. sabida. sofrida.

- Maria, ontem depois de tu saíres ele... morreu.


Dimitris Asithianakis


- o coração... uma hemoptise. aspirou o sangue... coagulou. não foram a tempo...

Anagnostopoulos


Anagnostopoulos


- Obrigada.

Edward Weston

as mãos não se soltaram tão depressa como deveriam

tocavam-se pelos dedos, já distantes.

- adeus. não esqueça o prometido.

- não. eu prometi-te a ti. adeus.

no caminho assaltada por uma estranha angústia perguntava, a quem?

- porque lhe disse adeus? nunca dissemos. era sempre até logo, a despedida.

- disseste porque sim. que parvoíce.

não discutiu. com ela não valeria a pena. nunca valeu a pena, nada.


christoph gamper


a noite insone, ou quase. imagens sobrepostas. âncora a soltar-se do fundo, barco invisível. nevoeiro. silêncio. o rio. o rio azul. depois a onda, o mar.

Katrin Adam

o actor que se erguia do leito para o palco. palmas, muitas palmas. sobe e desce de pano de teatro. o público de pé. último acto.

CHRISIKAKIS

manhã cedo, o melro não cantou na árvore em frente à janela do quarto, olhou apenas.

Antje Schulte


ela não o saudou. devia ter cantado. ou era inverno?

em que tempo, em que era, despertara?

não sabia a morada.procurou, pela noite,

um amigo do grupo de teatro a que antes pertencera, na sua cidade. encontrou. não queria que ela fosse visitá-lo.

- descansa. está melhor. foi o coração. encontrou-o um médico na estrada como quem estivesse a olhar o mar. estranhou que não se movesse e parou para ver. foi na Arrábida. que diabo estaria a fazer lá, sozinho ao fim da tarde?

ela queria tanto responder que sabia, mas tinha outra urgência.

- vamos.
- não. a mulher é ciumenta e se te vê...
- e que tenho eu com isso? fique com o homem. eu vou ver o Amigo.


Michael Kenna

disparou pelas vielas da cidade velha que mal conhecia. seguiram-na. acabaram por indicar a casa. bateu. cumprimentou e avançou para a cama.

- você! você veio ver-me!
- teria vindo antes se não tem dito que andava com muito trabalho. de doença nem uma palavra.
- não a queria preocupar, como agora. se visse a sua cara.



estavam de mãos dadas como se não houvesse ninguém perto. como se tivesse sido sempre assim como se nada mais importasse já que estavam juntos.

drdriving.


mas que onda era aquela forte, que ela ouvia e parecia querer arrancar-lho das mãos entrelaçadas?

- porque não quer tratar-se?

- querem que deixe o teatro. isso é morrer, para mim.

- para mim é tê-lo vivo. e no teatro há bem mais que fazer sem ser no palco.

- parece tão simples pela tua voz. ( e baixo) o meu poema!

- é simples. prometa-me!

- eu trato-me.

sorriam os dois. ouviram vagamente alguém lembrar as horas.

a voz incómoda não se quis calar.

fins de semana intensos, clandestinos. poemas e escritos a denunciar que afinal Angola não era mesmo nossa e muito menos dela que trocava, de bom grado, a sua parte por uma cerveja que nem apreciava. viciada era mesmo em água das fontes por onde passavam nos caminhos.

at Aduaneiros sem fronteiras
num dos regressos, ao entardecer, sentiu passando a cidade do seu rio, aves pesadas a chamar-lhe o nome. eram pretas mas não eram melros, as aves da alegria.

Zachary Folk Photography

- desculpem, paro aqui. vou ver o meu amigo.

- não temos tempo, são horas de jantar.

a outra.

- tu, não tens tempo. eu paro. conheço o caminho de volta. vão sem mim. alguma coisa está errada. eu sei.

- e lá começa ela...

não a ouviu. o amigo que conduzia estacionou o carro. ela correu para o amor que já pensara extinto, com força de árvore que se quer separar da raíz que a prende à terra.


Keith Levit

Isto Não É Um Diário.

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