2/05/2006

aquela árvore


plantaram-na e eu vi. era a tua preferida tenho-a visto crescer bem devagar olho-me, morro antes de ela adulta.

mas aquele senhor que a esta hora quente, é o dono do banco a que ela dará sombra, inclina-se para lá bem indiferente à morte. a morte é coisa certa, já o calor-conforto desta tarde de inverno, é uma benção para quem, só à noite liga o aquecedor.

deprime este jardim sem risos de crianças. mas há tanta viagem por fazer e tantos automóveis novos por comprar...

vim em busca de um melro e vejo um, época de acasalar, andam mais arredios e eu não trouxe pão. disparo. tiro certeiro mas ele conhece as saídas todas, mal se vê.



decido ir-me embora. mas acorre um homem de garrafa em riste. não sei virar as costas. já não vou aprender, deve querer cravar qualquer coisa, mas não vim com dinheiro, isso já sei fazer.


fala em inglês. respondo.

- tira-me uma foto?
- tiro, mas esta luz está má.
- é casada?
- já não.

vê-me de preto e ainda raciocina.

- foi-se já?
- pois. acontece...


mostro-lhe o resultado da pose. sorri alegre, gostou de se ver.


- é desenhadora?
- não.
- tem mãos de ser. eu sou cubano sei inglês espanhol e são tomense.
onde mora?
.- por aí.
- diga aonde. quero casar consigo. que idade tem? eu tenho 46.


afasto-me. não era isto que procurava. nunca é. tropeço no senhor mateus.

- olá pensei que já nem morava cá.

outra fotografia, outra proposta, discreta mas explícita.

- cada dia mais nova e mais bonita. sempre gostei de si. é a melhor do bairro.
e só eu é que não caso...

- pois. comigo também não.



(como anda por baixo a minha cotação!)

- adeuzinho, tenho tudo por fazer em casa.

despeço-me ainda procurando com o olhar um melro mais visível. oiço-o apenas.


olho para trás. lá está ele, minúsculo pela distância, enquadra-se entre a sombra de uma tília e o tejo. rio que não é azul.
é cansativo passear a esta hora no jardim. despeço-me das árvores e subo a rampa em direcção a casa.

esta cidade das sete colinas encurralou-me bem.

5 Comentários:

Blogger Manel do Montado disse...

Cara paper life,

Antes de mais espero que não tenhas estranhado esta ausência, algo prolongada, de comentários, apesar de te ler frequentemente, assim como aprecio a forma ímpar como associas imagem com palavra escrita.
Quanto a comentares ou não o que escrevo não é isso que releva, basta-me que passes por lá se eu não passar por aqui. Sabes como é, manter o contacto entre os vivos. Sem mais, nem cobranças difíceis.
Não escrevo para que me leiam (embora aprecie, dizer o contrário seria hipocrisia), antes faço-o num acto de purga e contrição. Outros que passaram o que eu passei, cada um de forma singela e pessoal, purgam-se no álcool, nas drogas ilícitas e nas licitamente prescritas pelos médicos. Outros ainda, como o meu amigo “Jones” tocam saxofone por aí, nas rochas da Boca do Inferno ou num Bar ali para as bandas do Largo do Caldas. Vão ouvi-lo um dia, isto é, uma noite. É genial.
Quanto a ti, minha amiga, mantém-te como és, não aprendas agora a virar as costas, não porque não possas aprender, antes porque não o queres fazer, e sei que é assim que és; retira-se do sentimento com que escreves.
Quanto à futilidade nas tantas viagens que ainda há por fazer e nos popós novos para comprar…coitados, não extraem o melhor da vida.
Um dia passarei por aí pelas bandas das Janelas Verdes e quem sabe bebericaremos algo ao fim de tarde, enquanto te vejo gravar em imagem o que te vai na alma no momento.
Beijo do Manel

fevereiro 05, 2006 4:24 da tarde  
Blogger Era uma vez um Girassol disse...

Depois de um FDS descontraído e ausente da parvónia...aqui estou para continuar a acompanhar esta tua viagem original pela mundo da ficção. Sempre com o mesmo interesse!
Bjinho

fevereiro 05, 2006 8:19 da tarde  
Blogger Lmatta disse...

Olá
Gostei
Logo dois Não é?
bem menos o melro
esse nada feito.
Beijocas gordas

fevereiro 05, 2006 9:10 da tarde  
Blogger paper life disse...

Manuel, obrigada. Como sempre as tuas palavras são aconchegantes, boas. Bj. :)

Girassol, neste texto não há uma gota de ficção só algumas omissões de pormenor para vos poupar. Bjs BFS

Lmatta, se olhares bem, o melro não faltou ao encontro. Tiveste foi preguiça de clicar na imagem para a ver em grande. Vê-se,pouco mas sim

Bjs.
:)

fevereiro 05, 2006 9:53 da tarde  
Blogger wind disse...

Tenho lido todos os posts, embora não os comente para não me tornar repetitiva.
Mas este é diferente. A realidade nua e crua dos que nos rodeiam e que muita gente não vê, ou finge que não vê.

fevereiro 05, 2006 11:52 da tarde  

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