10/10/2006

mas ela amava-o...

by Elena & Vitaly Vasilieva


como se me ouvisse pensar, noutro papel:


se te amei? amei sim. amei-te tanto!

num amor que de início me foi espanto

depois paixão e riso e noite e sol

fui-te mãe fui-te irmã e fui-te manto

nos frios do deserto onde contigo fui.

fui fui fui!

e num dia não marcado

dei comigo nesse tempo passado

disse-te simplesmente: adeus.

eu fui.

10/05/2006

mais um papel

michael-bayer

embrulhada em mais um papel escrito, deixado ao merceeiro, uma chave banal. dentro da casa leio as palavras breves.

- desculpa-me, Menina, mas promessa é dívida. trata agora de cumprir. lê à vontade e destrói antes da chegada dos corvos, por favor. confio em ti.

muita vida!

beijo amigo.

maria.

a arca sei qual é. via-a muitas vezes quando a visitava. sabia dos discos de vinil e de papéis que ela não mostrava. natural. coisas suas. abro-a. não está cheia. algumas pastas com papéis soltos para além de discos e alguns objectos. não fumo mas hoje preciso de um cigarro.

no sofá aonde sempre a via, sento-me para ler. tenho saudades. é normal.

hiding_in_the_dream Antoine de Villiers


amarfanhei em ti todo o meu sonho

e não sobrou

uma sequer memória iluminada

que servisse de herança

para deixar.

10/03/2006

II Parte - da passagem à chave.

RSK photography

não sou dada a ciúmes patetas, mas o que sabia de Maria até hoje viera de uma amiga comum. nem um sinal directo, uma palavra, uma carta. à preocupação natural juntava-se a mágoa pelo silêncio.

até hoje, dizia. até um homem novo me trazer uma chave vulgar, embrulhada em papel vegetal. tão sem jeito, tão à maneira dela, só com o meu nome escrito até quase rasgar a folha tranparente.

- foi uma senhora que mandou entregar, pediu que lhe fizesse o combinado se ela não voltasse e que lá fosse agora para escolher o que tinha de ser.

- mais nada?

- não. decorei bem. foi assim mesmo que ela disse.

- estava triste?

- não a conheço bem. só moro lá na rua, mas a mim sorriu ela e, foi-se embora. deu-me uns trocos... dava sempre... e cigarros também. vivo só da pensão da...

deixei de ouvir. agarrei o embrulho com afecto e fechei a porta para a abrir de novo e meter-me no carro em direcção à rua estreita. tremia. sem entender porquê.

que fez ela ao passado? deitou tudo para o lixo? raio de mulher!

- o passado? "o passado quando não está bem passado leva-se ao forno outra vez", dizia a Manuela.

era assim que diria e parece que a oiço. ela atirou-o fora e passou por uma qualquer porta estreita para outro lado. vá eu lá saber qual...

tenho saudades das conversas com ela até madrugar e ser o sono a empurrar-me porta fora, não a vontade de sair.

isso no tempo em que falava muito e era bom ouvir. depois calou-se. como se tivesse decidido não ter mais nada para dizer.

mentira. tinha pois. tinha era raiva pelo que lhe fizeram mas estava cansada desse falar a que chamava "carpir". não era de ter pena de si própria.

merda, estou para aqui a falar dela no passado e ela está viva ainda. tem de estar!


Rock Kauser

terá ido a Marrocos? ela adorava e dizia que tinha de voltar a ser árabe nem que fosse só mais uma vez. a sua máscara árabe. mulher de máscaras muitas.


mas porque mandaria o homem? bastava telefonar...

bem, cheguei. alguma resposta hei-de ter hoje.

Isto Não É Um Diário.

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