12/17/2006

ela não fala mais

by Biliana Rakoevic

que queime tudo. diz. será esse o final de todos os escritos que deixou. tão escassos já.

vejo-a ainda. de preto. quase sempre. um cigarro mais para ter entre dedos, que para o fumar de facto.

viciada? - em gestos. em rituais.

as mãos magras de dedos compridos urgiam um objecto para as usar. o cigarro serviu.

agora que partiu lamento até a falta do gesto de a ver pegar nesse cigarro que não sorvia sofregamente. como não deve ter sequer feito ao seio da mãe. eu, que nem fumo...

partiu. foi de caminho viver e contar o que viveu-sentiu.

está, enquanto estiver. e além dos três filhos que deixou vive uma espécie de vida e morte com ou sem companhia. mas segue. sabe, há muito, que não há tempo para parar.

vou tratar de queimar os papéis. talvez me doa. mas para que servem, como ela diria, os amigos de sangue verdadeiro?

cabe-me a mim encerrar este blog de parte da história-vida de Maria.

encerrei.

10/10/2006

mas ela amava-o...

by Elena & Vitaly Vasilieva


como se me ouvisse pensar, noutro papel:


se te amei? amei sim. amei-te tanto!

num amor que de início me foi espanto

depois paixão e riso e noite e sol

fui-te mãe fui-te irmã e fui-te manto

nos frios do deserto onde contigo fui.

fui fui fui!

e num dia não marcado

dei comigo nesse tempo passado

disse-te simplesmente: adeus.

eu fui.

10/05/2006

mais um papel

michael-bayer

embrulhada em mais um papel escrito, deixado ao merceeiro, uma chave banal. dentro da casa leio as palavras breves.

- desculpa-me, Menina, mas promessa é dívida. trata agora de cumprir. lê à vontade e destrói antes da chegada dos corvos, por favor. confio em ti.

muita vida!

beijo amigo.

maria.

a arca sei qual é. via-a muitas vezes quando a visitava. sabia dos discos de vinil e de papéis que ela não mostrava. natural. coisas suas. abro-a. não está cheia. algumas pastas com papéis soltos para além de discos e alguns objectos. não fumo mas hoje preciso de um cigarro.

no sofá aonde sempre a via, sento-me para ler. tenho saudades. é normal.

hiding_in_the_dream Antoine de Villiers


amarfanhei em ti todo o meu sonho

e não sobrou

uma sequer memória iluminada

que servisse de herança

para deixar.

10/03/2006

II Parte - da passagem à chave.

RSK photography

não sou dada a ciúmes patetas, mas o que sabia de Maria até hoje viera de uma amiga comum. nem um sinal directo, uma palavra, uma carta. à preocupação natural juntava-se a mágoa pelo silêncio.

até hoje, dizia. até um homem novo me trazer uma chave vulgar, embrulhada em papel vegetal. tão sem jeito, tão à maneira dela, só com o meu nome escrito até quase rasgar a folha tranparente.

- foi uma senhora que mandou entregar, pediu que lhe fizesse o combinado se ela não voltasse e que lá fosse agora para escolher o que tinha de ser.

- mais nada?

- não. decorei bem. foi assim mesmo que ela disse.

- estava triste?

- não a conheço bem. só moro lá na rua, mas a mim sorriu ela e, foi-se embora. deu-me uns trocos... dava sempre... e cigarros também. vivo só da pensão da...

deixei de ouvir. agarrei o embrulho com afecto e fechei a porta para a abrir de novo e meter-me no carro em direcção à rua estreita. tremia. sem entender porquê.

que fez ela ao passado? deitou tudo para o lixo? raio de mulher!

- o passado? "o passado quando não está bem passado leva-se ao forno outra vez", dizia a Manuela.

era assim que diria e parece que a oiço. ela atirou-o fora e passou por uma qualquer porta estreita para outro lado. vá eu lá saber qual...

tenho saudades das conversas com ela até madrugar e ser o sono a empurrar-me porta fora, não a vontade de sair.

isso no tempo em que falava muito e era bom ouvir. depois calou-se. como se tivesse decidido não ter mais nada para dizer.

mentira. tinha pois. tinha era raiva pelo que lhe fizeram mas estava cansada desse falar a que chamava "carpir". não era de ter pena de si própria.

merda, estou para aqui a falar dela no passado e ela está viva ainda. tem de estar!


Rock Kauser

terá ido a Marrocos? ela adorava e dizia que tinha de voltar a ser árabe nem que fosse só mais uma vez. a sua máscara árabe. mulher de máscaras muitas.


mas porque mandaria o homem? bastava telefonar...

bem, cheguei. alguma resposta hei-de ter hoje.

3/21/2006

planta uma árvore hoje

tree spirit by Cali Gorevic.

amanhã os teus filhos terão ar puro e sombra e o espírito da árvore para os acompanhar.

Poetry day


my gratefulness to ania-madina and through her, to all the photographers of whom I used photographs in this blog, without them it would be surely an inferior space.

3/20/2006

caminante no hay camino

se hace camino al andar. - antónio machado


Fotosearch

um dia ela não controlou instintos ou palavras. um dia disse tudo o que acumulara anos a fio e fez só o que quis. sentiu-se livre mas durou instantes.

os fariseus de agora, trouxeram água e terra e fizeram da mulher estátua de lama. riram e cuspiram-lhe em roda, até ela não saber mais se era quem eles diziam ou quem tinha sido até áquele dia.

de cansada sentou-se para pensar.

quem eram eles? o que é que lhes devia? se a alguns salvara até a vida porque haveria agora de lhes pedir perdão por ser gente verdadeira com erros verdadeiros?

então ergueu-se, procurou um rio. mergulhou nele corpo e alma, fez-se líquido puro.


Antoine de Villiers

depois seguiu fazendo o seu caminho e, nunca mais olhou para trás.

3/19/2006

pai!

Bryan Miller

o meu pai era uma estrada recta
árvore erguida, trigo que dá pão
era o poeta que conhece a vida
homem amigo que me dava a mão

o meu pai era árvore que estendia
os braços, como abrigo, a quem viesse
era a esperança onde ela não havia
era carinho aonde o não houvesse.

o meu pai foi nuvem que subiu
foi água que regou e fez crescer
foi um cristão sem fé (se já se viu?)
o meu pai não morreu, cansou, partiu.



3/18/2006

para quem aqui passou.

at raenelldawn

alegrando este até breve.

sinceramente não pensava que este blog podia agradar a 14 pessoas.

3/16/2006

adeus e obrigada.

Cycle - lItzhak Ben Arieh


fechou-se o ciclo do vida de papel.

dedicatória

The Inner Child- Itzhak Ben Arieh

intervalo ou fim?

at ncf.ca

afinal, o carnaval passou, deponho a máscara.

a minha casa

Sinan Ariktekin

a minha casa é um castelo de dor
com cortinas de árvores nas janelas
ouve-se vento, gemidos em redor?
tapo os ouvidos para não escutar,
são do demónio os sons que vêm delas.

a minha casa é casa de ninguém
castelo onde mataram a princesa.
a minha casa não tem um coração
nem paz nem sonho nem amor ou reza.

a minha casa é espaço adormecido
no tempo já passado há tempo a mais.
era menina moça quando vim
cheia de sonhos de casa de meus pais



child in dream by Elena Vasileva

3/15/2006

houve dias e meses

um ano novo, uma festa em abril, grande por ser a única.

tantos conselhos lhe deram vida adentro mas na hora, naquela hora, estava sozinha corpo e alma.



Elena Vasileva

jantou com ele, deitaram-se e ficou até ser de manhã.

tinha uma escova de dentes e um pijama a provar que ficava.

nada mais.

mais tarde soube que isso o magoara . tinha levado o acto como sinal de pouca convicção.

não se importou.

quando sozinha e

dada a pensar desde a infância, não deixava de se perguntar o que a atraía no escritor. o físico? não, não só. a mente? sim, definitivamente.

uma mente caudalosa de ideias e cultura. de ideias incutidas cedo, rejeitadas tarde e que deixaram marca. outras que lhe brotavam, como na cabeça de um louco brotam brilhantes conceitos, que gostaríamos tanto de poder chamar nossos. ela pelo menos sim.

os loucos e as crianças eram o seu fascínio.


George Reclos

Maria aprendera a caminhar em cordas tensas desde o tempo do amor, tempo de melros, mas se isto era amor, era tão diferente do que sentira antes, que mal se atrevia ainda a chamar-lhe isso.

- casar, não caso. o meu filho não vai ter por padrasto um homem que eu própria mal conheço. além disso, para quê? nunca foi a minha vocação...

by Majid Mohammad

- ele é estranho parece que baloiça entre a quase rigidez e uma maleabilidade de acrobata. depois há os silêncios que parecem de pedra mas não são. o olhar invade, fotografa, transforma, desnuda.

não sei se é ele que olha ou uma máquina que me regista e me rouba a alma. sou mesmo árabe!

ria de si. mas estava inquieta. muito.

- definitivamente eu quero aquele homem. mas será que ele me quer a mim?

nunca fora segura das suas qualidades. ouvira tantas vezes "ela não é capaz", que acreditara, tanta era a convicção posta nesse dizer.

by Bruno

- tem vezes em que o olho como uma escada agreste a subir com gosto. sempre gostei de percursos difíceis, mas depois parece que fui dar a beco sem saída. a escada não tem fim, só tem muro a fechá-la. saberei eu lidar com isto já?

mas no sexo esquecia.

bebiam e amavam-se entre corpos. e os corpos, se livres, acabam sempre por entender-se bem.

Sylvie Blum

3/14/2006

intervalo

Rene M. Hales

despertou

com uma frase a ecoar-lhe dentro como um sino:

"Louvados sejam os que correm o risco de ser pedra entre as pedras, flor da morte em flores mortas, nu entre os nus – oh louvados sejam."- Paulo Briguet

não entendeu porquê, mas há muito deixara de se questionar sobre o que lhe era estranho. não faria mais nada. tudo o que vivia pareciam cenas de uma peça que lhe tinham dado para interpretar e da qual desconhecia o autor.

by Mark Dornblaser

- aquele homem é fogo e gelo ao mesmo tempo. qual sobreviverá? as hipóteses seriam mínimas para o gelo, é óbvio ou parece, mas é como se ele se auto congelasse, quando só.

tenho de ir trabalhar. este homem está a tomar demasiado do meu tempo útil.

tudo parecia tão simples quando , em viagem, fazíamos versos surrreais a meias.

raios, o telefone. que máquina esta que eu dispensava bem!

- sim?

- olá!

- olá.

- posso ir buscá-la para jantar?

... posso?

- ... pode. até logo.

ela podia bem ter dito : - não.

podia. não fora a voz de fogo e as memórias da pele - pele de bébé! - que ultrapassaram os fios e lhe incendiaram o corpo no instante.


at terryvision

3/13/2006

olhou a moto estacionada

antes de olhar o homem e sorriu.

-olá, bom dia.

- olá. gosta de motos?

- desde miúda.

- óptimo! quer ir à outra banda?

- você está a perguntar a um cego se quer ver.


at digilander.libero

direcção, cabo espichel.

- vamos parar. quero mostrar-lhe um sítio especial da minha juventude.

- ok.

conduziu, quase a pé, até bem perto da falésia. subiu à única pedra branca do lugar. depois encetou caminho até ao areal. ela seguia-o em silêncio.

- ontem estava um dia feroz. bom para morrer. se você não me tem dito que hoje vinha comigo, tinha-me atirado lá de cima.

at stofanet

a rapariga exitou no falar. não estava preparada e o homem parecia-lhe tão sério.

- já olhou bem a água? era um splash de se ouvir em lisboa. ia aparecer em todos os jornais.

se um dia me apetecer coisa parecida, não há-de ser no mar. respeito-o muito.


.wave.co.nz

- vamos comer uma santola a sezimbra?

- bom programa. isto de falar de suicídio abriu-me o apetite.

riam.

na realidade a rapariga tinha o coração tão pequenino como o de um pardal. mas dar parte de fraca, não estava nos projectos do passeio.

à noite, mal fechou os olhos, viu um pé enorme sobre uma pedra branca, à beira de um abismo.


mouser.org

- estaria ele a falar a sério?

raio de sentido de humor para quem fala em casar!

nada no dia iria ser diferente.

levantara-se cedo porque sim. por hábito. sem gosto. gosto tinha pela noite, não pela manhã pejada dos ruídos de quem se apressa para trabalhar.


jjfv

também não gostava de café. sem açucar parecia veneno, com açucar, uma espécie de xarope antigo. tomava-o só pela cafeína, já de cigarro aceso.

- está um sol de fazer doer os olhos a qualquer toupeira. é assim que me sinto, mas em casa não fico, a primavera é para celebrar.

hoje acordei ridícula. celebrar a primavera cercada de caixotes, de gigantescos caixotes, onde nem parece viver gente. não terão nada mais para me tirar? a minha opinião nunca contou.

Anna Paganacco

- ainda aí estás? não tinhas de sair? vais deixar o homem especado à espera? olha que ele não é nenhum miúdo já, como eram os outros, pode-se fartar...

- vou já. ainda há tempo. também se se fartar que vá. aí está uma coisa boa para me tirar o sono que não tenho!

- julgas que vais ser sempre nova, é?

está morta por acasalar-me de vez. ao tempo que isto dura! não tem mesmo imaginação para mais. discutir para quê? nunca houve diálogo possível...

- quem dera que a ele lhe apeteça ir até ao campo. tenho sede de papoilas e trigais.



Luís Zilhão

- como se a vida fosse isso. devias ter andado na monda para ver se tinhas saudades...

saiu. era pior o discurso patético, repetido anos a fio, que qualquer acimentada arquitectura.

- até logo mãe. não sei a que horas venho mas não se preocupe. eu telefono se não vier jantar.

ia contar-lhe que ele queria casar, a todo o custo, mas para quê? ela iria aplaudir...

3/12/2006

fim do intervalo

Rene M. Hales

depois de um dia solarengo

a arte e os girassóis

Susan Garden


Gleb Goloubetski


Peter Weibel


Ian Jackson


Keith Walker

3/11/2006

até segunda.

Paulo Madeira


apetece-me descansar, até de mim.



escolha uma máscara discreta

Tanya Gramatikova


confunda-se com o ambiente por uns tempos, até a

vontade de voltar a viver, ser de novo maior que

as convenções.




(fim do 1º caminho de loucura)

o veículo certo

Galope etéreo by Joao Viegas


para os caminhos de loucura é um cavalo de galope etéreo

nunca lhe ponha rédeas se quer experimentar a

vida em pleno

único conselho:

não deixe a sua cabeça correr mais que o cavalo

corre o risco de se perder no caminho e...

não voltar.

7º e último passo para a loucura

Antonious Lecuona


reencontrada a pureza do início, não a guardar, esbanjá-la pelos outros para poder voltar a

enlouquecer.

6º passo

by Vassilis Tagoudis



ao ver uma flor chorar

fotografar ou escrever um poema mas

não contar a ninguém.

não convém ser internado permaturamente

5º passo

by Denis Olivier


é fundamental trazer um fruto proibido do paraiso, caso contrário a mágica loucura esvai-se pelos poros e cai-se no real quotidiano.

que enfado!

4º passo

by Majid Mohammad Alinezhad
atingido o céu possível não esquecer de perguntar ao criador porque se esmerou
mais com uns que com outros

3º passo

by Bajy

no final da noite, sempre a dois, ir comer um gelado à Patagónia como

pequeno almoço.

2º passo

Magic-night by olli

uma noite tão mágica que faça esquecer o espaço e o tempo
deixando surgir o sol à meia noite.

Isto Não É Um Diário.

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