ANIVERSÁRIO

A borboleta não sabe
A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente. - Albert Camus
estás o perfeito animal de companhia.
- começa cedo a ironizar...
- desculpe-me p.p., obrigada. não precisava mesmo, como muito pouco pela manhã...
- pp?
- diminutivo de pe pedro, soa bem, não soa? ou ofende-o?
- de todo. já comecei a conhecer-lhe o estilo,você nunca quer ofender ninguém.
- não quero mesmo. como passou a noite?
- um pouco febril, acho, com arrepios constantes apesar do calor óptimo da sala.
- vamos ver isso já, tenho um termómetro na caixa de prontos socorros
- então?
-você está cheio de febre. tome o pequeno almoço que eu vou à cidade buscar um médico. não me espantava que tivesse arranjado uma pneumonia.
- que disparate.leve-me e eu trato-me.
- tem quem o trate?
- ali não, vim para reflexão, estou sozinho.
- então cale-se e coma p.p., eu não demoro.
tenho de trocar de roupa, olha como chove ainda! e eu ia de túnica e sandálias...
- garantiram-me que era puro e artesanal, se isso é bom ou mau, diga-me depois, para eu reclamar.
agora, já mais confortáveis, posso perguntar-lhe quem é?
- que vergonha! nem me apresentei. chamo-me pedro vaz.
- pedro do santo e vaz do caminha?
- pedro do santo, sim, famílias católicas sabe como é...
- por acaso não sei, mas tanto faz, aprendo com os outros. já estou habituada. e que é que faz?
- sou padre.
de que é que ri?
- desculpe, venho do deserto, não estou habituada a controlar expressões. ri porque o visualizei mais como druída , perdendo a batalha com a natureza.
do que como padre católico representando o todo poderoso. com vestes femininas e sinais que quase ninguém entende e são para isso mesmo.
- não é crente ou não gosta de padres?
- padre é lá coisa de que seja preciso gostar? vieram para ficar e pronto. são uma realidade como outra qualquer.
- tem mágoa na voz...
- eu tenho é sono. também fui apanhada na praia e assustei-me quando o vi na água, pensei que estava a ter visões, das más.
- irónica e fugidia já vi que é.
- hoje, padre pedro, não vai ter tempo para ver mais nada que a cama está à espera e o gato também. só tenho um quarto mas a sala está quente e a lareira acesa tome esta manta, é pura lã. se tiver fome o frigorífico foi recheado ontem à noite.
descanse bem.
- salvou-me a vida, sabe?
- salvei-lhe o quê? você morre por pouco...
anda zack!
- boa noite. durma em paz.
tinha de ser padre! e se eu lhe tivesse aberto a porta como estava, nua, diz-me espelho meu, teria fugido?
zack, malandreco já me roubaste o lugar preferido. tem um lado bom, deixas-me o colo livre para me sentar descansada a ler um livro novo. estamos em férias, zack! esperemos que por pouco tempo mas, em férias.
que é isto? bateram à porta ou foi a ventania que se levantou e está mais forte. não gosto quando o vento sobe de intensidade.
espera... é mesmo a porta. quem poderá ser neste ermo? lá terei eu de me vestir... droga!
- já vou! só um momento.
- sim?
- deixe-me entrar, por favor! quase me afoguei e estou gelado...não há outra casa perto.
- e a sua?
- é junto à cidade mas o carro não pegava de manhã, vim a pé, hábitos de meio ermita, fui apanhado por esta tempestade inesperada.
(eu vou arrepender-me disto, mas o zack sabe atirar-se-lhe à cara se ele se atrever, ou eu espero que sim.)
- entre. tenho a lareira acesa. num intante está seco.
- obrigado.
o escuro reflexo no mar é que a anunciou. nada mais. nem vento nem trovão, escuro só. quando ergui os olhos vi o céu e apressei-me a sair da água.
já devias ter aprendido a ir buscar-me a toalha, zack, estou encharcada. só esse teu ar indiferente para me fazer rir agora...
mas quem era aquele louco ou louca que ficou na água? por aqui não vive ninguém. mas efeito luminoso de um raio, não foi.
McDonald
sabes que já atravessámos meio mundo sózinhos, sem medos patetas, no entanto quando a chuva parou, eu comecei a sentir o mundo ao contrário.
estranha e única sensação. cobarde, nem olhei para trás e subi a duna a correr.
mas a tempestade não passou. olha como as gaivotas se agitam no ar.
vou acender a lareira. estou gelada.
mas quem ficou na praia com um tempo assim?
somos dois bons parceiros, zack. companheios de longas viagens, que nunca discutem ou amuam. tu às vezes foges se te zangas mas, o apetite devolve-te num instante a amizade.
se quiseres fica aí. eu vou tomar o cacau da manhã. trouxe uma saca, puro. sei que dá mais trabalho mas, desde que aprendi, dá-me um tremendo gosto fazer eu. confessemos, sem máquina não sei se teria coragem, ainda estou cansada. foram muitos quilómetros.
bela a manhã.
hoje não faço mais que apanhar sol e caminhar à toa. amanhã vou à cidade procurar trabalho ou não teremos como voltar à estrada. também precisamos comida, uns livros e alguma roupa, a minha está no fio.
raios, porque é que não podemos andar nús?
porque têm as religiões medo à nudez? não vou filofofar à beira mar numa manhã radiosa.
isso, salta do jeep, sente o ar. na primavera os pinheiros em flor lavam os pulmões do pó de qualquer estrada. foram eles e o rio que me fizeram ceder, com mais alegria, à tua vontade de parar.
Kent Holloway
a casa... como tem um ar abandonado! mas eu sei que, por dentro, está intacta. pago para que a mantenham e confio na amiga que vigia e orienta , ainda que a não veja há anos já.
há tanta história ligada a esta casa. se tivéssemos intenção de ficar, mandaria pintá-la de branco, branco puro.
carlos barros
por vezes é bom chegar a uma casa com cheiro conhecido.
já está água na chaleira a aquecer. e, zack, para de tentar caçar. trouxe-te ração de luxo da cidade, para variar.
learn-photography.co.uk
esta noite vamos dormir dentro de um tronco de árvore.
estou cansada e feliz.
eu sei, ninguém me chamou. mas tomei eu por destino não ter terra, ter o mundo. não ter onde regressar. vou e paro aonde posso, apenas para descansar.
sou nómada, nasci assim e sem sequer poder dizer a que tribo pertenci , num tal remoto passado.
desta vez foi o meu gato que se eriçou de alegria ao passar nessa cidade onde o rio é mais azul.
faço-lhe sempre a vontade. como não seria assim se somos dois vagabundos matando a sede com mundos?
vou parar, beber um chá. a seguir dormir, numa cama que iremos escolher macia.
depois? depois se verá. - amanhã é outro dia.
(continua)
come-se na mesinha como se fosse ao balcão
fumam-se cigarros e apagam-se a meio
despeja-se o cinzeiro e mais tarde se lava
acabam-se os sonhos, dá-nos para pensar
tão dia após dia, tão noite após noite.
lá fora começa o espaço silêncio
que dá para contar tão pequenas coisas
rotineiros fumos que se sabe, sobem.
ah, os sonhos enrolados em cigarros
que queimei na vida dos últimos anos
merda, envelhecer é bonito para quem
não viveu, ou o contrário?
pronto, isto é já sono, vou lavar o cinzeiro
e tentar dormir.
dormir? quem estou eu a convencer?
Cobrem-se os campos de gelo
Já não se ouve
O galo cantor
Andam os lobos à solta
Pega no teu
Cajado, pastor
Homem de costas vergadas
De unhas cravadas
Na pele a arder
É minha a tua canseira
Mas há quem queira
Ver-te sofrer
Anda ver o Deus banqueiro
Que engana à hora e
que rouba ao mês
Há milhões no mundo inteiro
O galinheiro é de
dois ou três.
José Afonso
acabei por gostar, habituar-me? seja lá pelo que for, pensei agradecer deixei-lhe filhos meus, que mais podia? que a preservem e guardem até onde a bondade que tinham, permitir. deles não sei. foram pelos caminhos escolhidos, ou como os insectos levados pelo vento até às flores. a Terra está velhinha filhos, tratem-lhe as dores! |
não sou pássaro de gaiola - disse-lhe ela.
nem eu, meu amor, quero prender-te - disse ele.
riram os dois, acreditando em tudo o que o amor dizia entre eles, doce quente!
só um papel branco sobre a mesa:
- adeus meu amor, eu vou com as aves. *
by Jerry Ting
consta que não a entendeu. e, no entanto, ela avisara desde início...
*Eug. Andrade
EdgarAllan Poe
fragmentada, dividida
onde o inteiro de mim
em que eu acoitava a vida?
foram-se os anos passando
foi-se somando loucura
áquela graça que tinha
(ou não tinha?) vez em quando.
agora louca varrida
já não me importa o que pensem
nem que digam os demais.
grito por ti, meu amor.
tanto amo ou tanto amei!?
conjugações irreais.
um amor assim não morre.
faz inveja raiva até,
para matá-lo tudo corre.
ah, mas inda estou de pé!
oiçam a minha loucura
dizer-vos que este amor é
aquele que se procura.
vi o mar, mergulhei fundo
arrastei algas e conchas
mas de um gole, bebi o Mundo.
by Maya Angelou
(desculpem-me mas nunca traduzo poesia.)
desse entrelaçar de amor
que só a dois se vive.
sim, tanta gente ainda ama
que sorriu
pego no pincel da natureza
e dou
um toque de cor a este meu dia
que seria igual a tantos outros
não fosse a maravilha dos amantes
que se abrem em flor.
Andy Jones
---------------------------
BOM DIA!
----------